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HISTÓRIAS SEM FIM DO VALE DO VENTURA

HISTÓRIAS SEM FIM DO VALE DO VENTURA

A primeira imagem é a ruína de um hospício do final do século 19, depois de um rio seco, uma rua com poucas casas coloniais de estilo europeu, no fim da rua, um homem apelidado de Nenenzinho, 33, era o nosso guia e um dos 10 habitantes da misteriosa região do distrito do Ventura, situado no Município de Morro do Chapéu, no norte da Chapada Diamantina, estado da Bahia . Ele diz sorrateiramente, “bem vindo a cidade de tantas estórias, o Ventura é uma viagem sem fim”. Essa é a expressão de uma região que já foi uma das maiores exportadoras de carbonato do mundo, o arraial do Ventura foi elemento fundamental na construção das linhas dos metrôs de Nova Iorque, Paris, Berlim, Londres e o túnel ferroviário São Gotardo, na Suiça. Os franceses eram os maiores compradores e quem distribuía o produto era a empresa do coronel Dias Coelho, primeiro e único coronel negro, filho de escravos que despontou no comércio de carbonato e fez fortuna no Brasil no inicio do século 20. O coronel nascido e criado no município de Morro do Chapéu, também morava no Vale do Ventura – aonde a praça principal leva o seu nome – possuía muitas terras na Chapada Diamantina. Ele também ajudou a fundar o Coquis, primeiro partido composto por negros e mestiços do Brasil, havia uma nova casta de comerciantes de pedras preciosas surgindo nas regiões do garimpo na Chapada Diamantina, a maioria eram descendentes de escravos.

Nenenzinho, 30

A cidade também era conhecida como Arraial do Ventura ou a “Vila dos Diamantes”, seu nome é uma homenagem a um dos 3 primeiros garimpeiros que chegaram na região na década de 1850, o Sr Ventura havia descoberto diamantes de alta qualidade naquele lugar. O distrito chegou a ser a maior fonte de receitas de impostos dos municípios da Chapada Diamantina, sua economia era mais dinâmica do que a própria cidade que chegou a ter teatro, biblioteca, escolas particulares, farmácias e até uma filarmônica.

O auge econômico da “Vila dos Diamantes” acorreu em 1905, a riqueza do comércio do Ventura era notável, produtos importados da Europa, sendo o terno de linho e a seda francesa roupas usadas no dia dia dos moradores. Garimpeiros, pequenos agricultores, mulheres que trabalhavam como donas-de-casa, amas de leite, costureiras e “mulheres-dama”, como eram chamadas as prostitutas, todos viviam suas vidas na certeza de um mundo próspero. Os lampiões iluminavam as barulhentas festas do Ventura e registros do jornal Correio do Sertão narram o desentendimento entre duas das prostitutas mais bonitas de sua época resultando na morte de uma delas.

Com o tempo a violência se instaurou no Arraial do Ventura e junto uma enfermidade que afetou toda a população venturense. A partir de 1910 o Vale do Ventura passou a ser chamado de “serra do bexiguentos”, um surto de varíola atingiu a Bahia e os infectados de varias regiões foram abrigados nos arredores do vale. Os variolosos eram alojados nas reentrâncias das rochas denominadas “locas”. Apesar da vacina já estar disponível na região, os pacientes recebiam o tratamento nada convencional, colocavam sobre as feridas cânfora e cachaça, o que as vezes infeccionava, agravando a saúde do paciente. Milhares de pessoas morreram na serra dos bexiguentos, talvez fosse o prelúdio do fim do Vale do Ventura. Em 1919 morre o coronel Dias Coelho, deixando o Ventura sem estrutura política e econômica. Alguns anos depois, na transição do coronelismo para a era Vargas, a Coluna Prestes transforma a cidade numa trincheira de guerra. Centenas de jagunços e soldados “cidadãos classe média” contra o poder oligárquico da Velha República morrem durante os conflitos.

No final da década de 1920, a descoberta de carbonato na Africa do sul causa um efeito devastador na economia do Vale do Ventura, provocando a crise diamantífera na Chapada Diamantina. Como se encerrasse o fim de um ciclo e a era Vargas se aproximava cada vez mais, golpes e grandes transformações políticas desolaram o Vale do Ventura e a região entra no mapa dos reinos perdidos. Como um vale afundando num deserto de ossos, em 1932 uma grande seca assola a terra do Ventura e durante 3 anos uma leva de migrantes abandonam o lugar resultando na devastação de todo comercio e da agricultura. Nas décadas seguintes fecham os telégrafos, o correio e as escolas. A estrada principal é desviada dos principais distritos isolando o Ventura de todo e qualquer acesso.

Na década de 1970 registrou-se 70 habitantes, em 2002 haviam 27 pessoas, e atualmente em 2015 apenas 10 almas habitam a cidade de ruas cobertas pelo barro e pela vegetação peculiar da caatinga semi árida do norte da Chapada. Lilo Wester, 56, turista alemã que estava de passagem conta se sentir “num conto não revelado de Gabriel Garcia Marques, a cidade de puro realismo fantástico”. E a pré história também se revela aos arredores do Vale, numa trilha de 4 horas chega-se a um paredão de 64 metros com pinturas rupestres datadas de 4 a 6 mil anos a.c.

Um outro mistério ronda os arredores da Vila dos Diamantes, Marcos Bokapiu, 49, historiador conta que “a região do norte da chapada também é conhecida por ser um dos maiores avistamentos de ovnis do país, e são muitos os depoimentos de moradores sobre aparições”, na própria estrada do Feijão que dá acesso ao vale, vê-se a escultura grande de uma nave espacial em homenagem aos encontros de ufólogos que acontece anualmente na região.

Apesar das APA’s (Área de proteção Ambiental), as Unidades de Conservação (UC) já reconhecem a importância ecoturística do território e o IPAC tombou a região como patrimônio histórico. Apesar da energia elétrica ter chegado há alguns meses, a cidade parece estar desaparecendo do mapa e no espaço. Mal se sabe aonde estão os títulos das casas, falta água, não tem comércio e ruas inteiras não existem mais. Graças aos moradores que se esforçam para manter a manutenção do lixo e limpeza das trilhas, o vale dispõe do cuidado com o lugar e a orientação aos turistas que chegam sem informações suficientes sobre a região. Bem aventurados sejam os que acharem a rota do Ventura, com os seus resquícios da estrada real do ciclo do ouro do século 19, é um tesouro perdido no vale dos antepassados. São trilhas, cachoeiras pássaros e orquídeas ainda pouco conhecidos no Brasil. A vida selvagem explode dia após dia e seus restos de civilização ainda são visíveis, mesmo que enterrados num tempo esquecido num país sem memória. HISTÓRIAS SEM FIM DO VALE DO VENTURA


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